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Mesa 3 

Desafios para o cuidado: quando o tecido social se esgarça, como seguir tecendo laços?

A Reforma Psiquiátrica, para avançar e florescer, não necessita apenas de aumento do número de serviços substitutivos ao hospital psiquiátrico; é necessário também, e sobretudo, que estes serviços estabeleçam laços entre seus usuários e o espaço social, através da parceria efetiva com ações e equipamentos nos territórios, de acesso à cultura, ao lazer, ao trabalho, da participação política e social. Mesmo antes dos retrocessos políticos vividos pelo país, ainda não conseguíamos avançar o bastante face a este desafio. E, depois deles, muitos problemas se agravaram, dificultando ainda mais seu enfrentamento.

Cresceu o desemprego; a concentração de renda piorou, tornando brutal a desigualdade; enquanto isso, decresceu o investimento em saúde, educação e cultura, e precarizaram-se cada vez mais as condições de trabalho. Como promover laços entre as pessoas em sofrimento mental, a comunidade, o território, quando o tecido social se torna cada vez mais esgarçado?

Tal situação afeta profundamente as crianças e os adolescentes das regiões mais pobres. Nas famílias, a violência doméstica ganha corpo, através da negligência, de maus tratos e abusos, enquanto escasseiam as formas de suporte social que a poderiam controlar; inúmeras mães têm de responder sozinhas pela criação dos filhos; as moradias são precárias, em bairros desassistidos pelo poder público; inexistem atividades de cultura e lazer. Dada a dificuldade de construir projetos de vida e futuro em tal cenário, em idade precoce, meninos e meninas iniciam o uso prejudicial de álcool e outras drogas; os furtos, a atuação no tráfico, que os leva a ingressar no circuito das medidas socioeducativas, a maioria delas em instituições fechadas; ou torna-os vítimas dos assassinatos de jovens negros e pobres que se tornaram banais no país. Acuados neste círculo vicioso, conhecendo na pele o desamparo, a humilhação, o ódio, o que estes jovens, quando sobrevivem, podem esperar, de si mesmos e do mundo onde vivem?

Também adultos de qualquer faixa etária são afetados por tal situação. As pessoas em sofrimento mental, sobretudo os chamados psicóticos, cuja participação no mundo do trabalho e da cultura requer apoio, não encontram para tal novos recursos, e perdem alguns dos que já lhe foram oferecidos. Aquelas que fazem uso prejudicial de álcool e outras drogas deparam-se com dificuldades crescentes na busca de outras saídas, diante da proliferação de uma estratégia higienista, não só obviamente inútil, mas nefasta; trancadas nas comunidades terapêuticas, sofrem violações de direitos básicos, como sempre aconteceu nos manicômios; o proibicionismo, a guerra às drogas, não só fazem aumentar a violência do tráfico, como justificam e autorizam o encarceramento em massa e o genocídio da população jovem, negra e periférica.

Sem psicologizar a caótica situação destas pessoas, nem criticar-lhe a conduta pelo viés moral ou religioso, o que pode a saúde mental, na perspectiva do cuidado em liberdade, oferecer a esta clientela? Eis o debate que propomos a esta mesa redonda.

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