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Reforma Psiquiátrica Antimanicomial: uma delicada radicalidade

Após o longo e difícil período da pandemia que impediu a realização do nosso V Encontro na data anteriormente prevista, nós o retomamos, tendo vivido desde então tantas e tão penosas experiências.

Repetimos: a nossa luta é por delicadeza, como diz um belo samba-enredo da Escola de Samba Liberdade Ainda que Tam Tam. Reunidas no mesmo verso, as palavras luta e delicadeza não se contradizem; pelo contrário, se enlaçam bem, pois apenas através da luta a delicadeza se conquista. A violência, o autoritarismo, a tutela, todos estes traços da cara feia do manicômio, não se extinguem se fingimos não vê-los, nem se deixam vencer se nos mostramos dóceis. Há que enfrentá-los - e eis por quê a radicalidade sempre foi necessária, em nossas propostas como em nossos atos.

Fomos radicais ao recusar qualquer concessão às instituições fechadas, sejam manicômios, comunidades terapêuticas, ou qualquer outro nome que venham a ter. Fomos radicais ao inventar e tornar reais as construções que dão suporte ao cuidado em liberdade e sustentar que as práticas desse cuidado são indissociáveis da luta por uma sociedade mais justa, regida pelos valores da igualdade, da pluralidade, da solidariedade - pois assim deve ser, e será, uma sociedade sem manicômios.

Em um cenário de tragédias que se sucedem e acumulam, o retorno à radicalidade se faz imperativo. Temos como enredo o caos da política, o esgarçamento da estrutura social e o achincalhe dos direitos humanos. Estamos diante um Estado mínimo na garantia de direitos e máximo no extermínio e extremismos. Lutando sempre pela delicadeza, não seremos agora, portanto, menos radicais.

Os prejuízos às conquistas no campo da Reforma Psiquiátrica encontram-se em todo um conjunto de normativas impostas, em especial, pelos Ministérios da Saúde e da Cidadania, que resultam em inúmeros e graves retrocessos. Vários ataques se seguiram ao cuidado em liberdade, por parte do mesmo Ministério da Saúde e seus aliados, os Conselhos de Medicina e a Associação Brasileira de Psiquiatria. Para a defesa e o avanço de uma reforma antimanicomial, preciosa conquista brasileira que tanto floriu em Minas Gerais, cumpre-nos, trabalhadores, usuários e familiares, mais do que apenas reassegurar ganhos outrora obtidos, exigir de nós mesmos um olhar questionador às nossas próprias experiências, para que o caminho seguido não olvide os princípios que lhe deram origem, nem se desvie de sua justa direção.

Diante das ameaças que vão da lama ao caos, apostamos na potência da consolidação e compartilhamento de estratégias construídas em ato para o enfrentamento ao retorno nefasto da lógica manicomial. Seguimos caminhando juntos, nas várias lives preparatórias ao V Encontro nas reuniões e nos debates, nas conferências de saúde mental bravamente realizadas em 232 municípios mineiros.

Logo após o Encontro, nos dias 27, 28 e 29 de setembro, ocorrerá, finalmente, a V Conferência Estadual de Saúde Mental. É necessário assegurar presença e participação ativas em ambos, Encontro e Conferência - preciosas conquistas dos movimentos sociais ligados à luta antimanicomial de Minas Gerais.

Estes eventos ocorrerão às vésperas das eleições, em momento conturbado e imprevisível da situação política do país, que traz em si, no entanto, a força da esperança. Ali reunidos, estaremos também dando sequência à luta pela democracia, pela liberdade e pelos direitos humanos, tão maltratados ao longo de um governo que insiste em provocar, tumultuar e impor a violência ao longo do processo eleitoral. Dispomo-nos a enfrentá-lo, sustentando a decisão e a aposta que apesar de tudo e desde sempre nos movem.

Neste V Encontro Mineiro de Serviços Substitutivos em Saúde Mental, a realizar-se enfim após tão longo adiamento, mantemos o convite para o resgate, com toda radicalidade, da força da disrupção da loucura, das desobediências poéticas, das transgressões cotidianas, para resistir, de pé, em defesa aos projetos democráticos contra a barbárie e os inúmeros golpes. Retornar à radicalidade é apostar no potencial transformador da sociedade e na organização popular como guardiã da política de saúde mental construída nos últimos 30 anos.

Abraçados pelos encantos de Mariana, nos encontramos em setembro!

Comissão Organizadora do V Encontro Mineiro de Serviços Substitutivos em Saúde Mental

20 de julho de 2022.

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