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Mesa 2

A questão das drogas: Proibição, ainda?

A relação da humanidade com as substâncias alteradoras de consciência é antiga e, ao contrário de hoje, nem sempre foi conflituosa. A transformação das drogas em uma questão social, um problema que demanda intervenção do Estado, é bastante recente em termos históricos. Há cerca de 100 anos iniciou-se um processo, que se constituiu ao longo das últimas décadas do século XIX e início do século XX, que visava interditar o consumo, a produção e a venda de algumas substâncias que antes possuíam livre circulação e uso. Esse grupo de substâncias derivava basicamente de três plantas de cultivo muito antigo e tradicional: a folha da coca, a papoula e a maconha.

A proibição dessas substâncias, mais do que significar a interrupção de culturas locais de consumo, tem uma ligação com os grupos sociais que na época eram seus consumidores, num claro viés de controle social de populações imigrantes, empobrecidas e marginalizadas. A associação drogas/crime, hoje consolidada como uma insuspeita obviedade, não nasceu como um raio em um céu azul, mas possui uma história que só pode ser explicada considerando a construção de um estereótipo racista de quem seriam os usuários e comerciantes dessas substâncias.

No caso brasileiro, a relação estabelecida entre crime e a população negra no final da escravidão teve, e segue tendo, sua justificativa constante no uso ou na venda das substâncias psicoativas proibidas. A política de extermínio de jovens negros e o encarceramento em massa implementado em nosso país, só podem ser explicados quando olhamos para o nosso modelo de política de drogas. São os crimes relacionados às drogas que justificam cerca de 30% de prisões entre homens e mais de 50% entre mulheres.

A figura monstruosa que povoa os noticiários sensacionalistas nas tardes da televisão brasileira é o traficante; um ser sem cara, sem CPF, alguém a ser eliminado em defesa da sociedade. Essa figura, construída para ser o antagonista perfeito, nunca é identificada entre os altos extratos da sociedade brasileira. Quando as balas perdidas encontram alguém é sempre de um traficante num jovem negro indo à escola, num homem com seu guarda-chuva embaixo do braço, numa menina com sua mãe a caminho de casa.

A essa política dá-se o nome de Guerra às Drogas, uma fracassada iniciativa que gera danos irreparáveis no mundo todo. No Brasil, optamos repetidamente por seguir o modelo bélico e as mudanças legislativas dos últimos anos só trataram de recrudescer nossa já problemática legislação sobre o tema.

No campo do cuidado, os CAPS AD, UAT e Consultórios de Rua seguem atendendo na guerra: subfinanciados e por vezes sustentando uma prática e discurso contaminados pela lógica higienista, preconceituosa e excludente do proibicionismo. Do outro lado, os negócios da fé prosperam. Os vendedores de ilusão, donos de clínicas e comunidades terapêuticas recebem cada vez mais incentivo e recursos financeiros. São locais de privação de liberdade, proselitismo religioso e violação de direitos humanos. Não possuem corpo técnico, condições sanitárias e contrariam princípios fundantes do SUS.

O quadro se apresenta inextrincável, no entanto, o muro da proibição está a ruir. A cada dia novos países do mundo aderem a políticas mais progressistas em relação às drogas e os resultados mostram que é possível e factível produzirmos alternativas à guerra, resta a nós a velha pergunta: o que fazer?

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